domingo, setembro 24, 2006

Para além da descrença


Uma imensa desconsideração pela política, isso é o que constatamos nessas eleições. Deixando de lado o simplismo que reza ser a bandidagem o motivo real disso, o que mais temos? Parece ser considerável a escassez de ambiente político para a aproximação dos anseios, das forças medidas, das vozes contrapostas. A sociedade não possui vínculo real com a vida pública. Mesmo sabendo que ela realiza nosso destino. As margens de aproximação da população com os debates e com a resolução de sua vida cotidiana se estabeleceu longe das vontades desses indivíduos e de seus grupos. Perdemos o tato disso. A escalada do sistema de organização social, que exclui os produtores não enquadrados em um montante de capital relevante, que deseduca a população acerca da conseqüência da sua escolha pela indiferença, que desenvolve políticas de amordaçamento social velado nos deixa sujeitos precários enquanto agentes sociais. Que tipo de aposta na educação popular pode avançar à emancipação? Como construir alternativas que minem a imobilização social?

Fernando Camelo

6 Comentários:

Às 26/9/06 15:30 , Blogger Unknown disse...

Parece que vc acredita que a descrença na política é algo necessariamente negativo, como se a crença na sua possibilidade de realização fosse inquestionável. Ora, não acho que seja óbvio que seja possível realizar a finalidade da política nos moldes que temos hoje, e tenho alguns argumentos, embora eles venham de outras áreas do conhecimento que não as ciências humanas. Seres humanos são primatas e como tal desenvolveram sua organização social em grupos pequenos, não em grupos grandes como o dos insetos. Não é óbvio que o ser humano seja capaz de se organizar saudavelmente num grupo de milhares de indivíduos que pouco tem a ver entre si apenas porque acreditam que devem viver assim. Isso seria admitir um controle irrestrito da razão sobre a natureza. As pessoas podem estar se negando a particpar na política por puro comodismo, mas isso não significa que a sua participação vá realmente mudar alguma coisa. Pelo contrário, essa crença parte de um pressuposto de que exista uma forma correta para o homem se organizar, e que essa forma pode ser visualizada racionalemente mesmo que nunca tenha sido colocada em prática. Em outras palavras, me parece apenas um idealismo.

 
Às 27/9/06 17:35 , Anonymous Anônimo disse...

Parece que você tem uma certa repulsa em pensar a política com os pés no chão, que é onde eles podem estar em se tratando de resolução das vontades e ações práticas no cotidiano da vida pública. Qual seria a finalidade da política? Pois no seu comentário há referência a uma finalidade como algo em direção a melhora da vida das pessoas e depois a finalidade como restrição da ‘natureza’ humana. Eu, sinceramente, não entendi. E esse suporte calcado em um materialismo naturalista vulgar não me parece suficiente pra que possamos avançar na articulação das forças tencionadas no mundo público. Ou você acha que o ‘fato’ dos primatas serem diferentes entre si é a suficiência das nossas aspirações políticas? Não há proposta pronta no texto “idealista”. Mas ele, o texto, não se envergonha de ter como horizonte de entendimento a não participação política como um deslocamento das posições de aspirações e reivindicações públicas, na distância da capacidade do sujeito em atuar. Pra mim isso não é idealismo. Longe disso. Os moldes que temos hoje são insuficiente, você parece ter ignorado essa proposição do texto. Insuficientes pra quê? Pra não nos entregarmos a certo biologismo, ou renunciar a capacidade de redimensionar as margens de manejo social.

 
Às 27/9/06 19:19 , Blogger Casa do Demo disse...

Janos, nós já discutimos isso antes. Por trás desse seu comentário há uma teoria da modernidade que, se vc me permite, eu acho um tanto unilateral. Pra tal teoria da modernidade só vejo duas alternativas: ou "pular do barco" (uma bala na cabeça ou ir morar na floresta, tanto faz) ou uma postura de absoluto cinismo ante a realidade, o que não pode ser o caso visto que vc continua a escrever, e a escrita é uma forma de ação, não de indiferença.

Assim sendo nós achamos sim que a descrença na política seja algo negativo. E não pq cremos que o engajamento há de nos levar necessáriamente ao êxito! O engajamento é concebido não como um exercício orientado pela perspectiva do sucesso inevitável -o triunfalismo já deixou suas marcas na história tanto à esquerda, no comunismo soviético, por exemplo, como à direita, no tecnicismo capitalista - mas pq é a única alternativa que nos resta, a nós que nem vamos pular do barco.

E se não o faremos é pq temos ainda algumas forças criativas que cremos capazes de interferir na realidade. Ou pra aludir aos nossos ímpetos mais animais - vc está sempre preocupado com eles - simplesmente pq queremos continuar vivendo. O engajamento, aqui compreendido em seu sentido mais amplo - de adoção de uma postura de intervenção construtiva na realidade - é a única coisa que resta a quem esta vivo no turbilhão da modernidade e pretende continuar aqui, vivo e no turbilhão. E isso pq se recusa a crer que a civilização é simplesmente uma violência contra a nossa natureza animal. É isso, mas não apenas. Esse naturalismo romântico é o que há de cansativo, por exemplo, em Nietzsche. E nesse ponto Freud se mostra bem mais interessante. Ele viu todo o horror produzido pela civilização, mas ao contrário dos neo-anarquistas de hoje (cuja critica embora seja legitima do ponto de vista moral, é pueril) assumiu a sua condição de homem moderno, inserido no olho do furacão. Precisamos sim colocar a modernidade no divã, arrancar-lhe os recalques, torná-la mais rica e produtiva, cientes, no entanto, de que ela nunca estará completamente livres de seus traços neuróticos. Por outro ládo, ela é tudo o que temos. Digo, a nós que não vamos fugir para a floresta ou estourar os próprios miolos. Pelo menos não ainda. Não enqto ainda esperarmos algo da política, da arte e do pensar.

manoel gustavo

 
Às 28/9/06 20:37 , Blogger Paulo André Araújo Dias disse...

"Isso seria admitir um controle irrestrito da razão sobre a natureza."
Irrestrito por quê, mesmo? A organização política não pressupõe que as comunidades humanas sejam homogêneas. O ser humano aplica a razão na modificação da natureza sim, é assim que temos sobrevivido há muito (mas muito) tempo. Não é uma democracia representativa? Sendo, os vários grupos de primatas dentro da nação têm acesso ao código que aceitam como 'nacional' através da representatividade política. É uma escolha, isso é cultura. Lembrando do aspecto cultural dos macaquinhos e, principalmente, conhecendo o que é cultura e como isso age dentro das populações humanas (num mundo de internet, não é) dá pra ser menos determinista. Não se trata de uma "forma correta para o homem se organizar", trata-se de uma escolha, que é cultural. E por menores que se proponham, as comunidades humanas têm objetivos em comum, e podem, politicamente, se comunicar.
"Seres humanos são primatas e como tal desenvolveram sua organização social em grupos pequenos, não em grupos grandes como o dos insetos." Quem disse? Quem disse que um grupo grande de humanos tem que ser como um formigueiro? Não somos formigas, mas certamente não somos chinpanzés também. Esse argumento deixa escapar tanta coisa que dá preguiça escrever.

 
Às 29/9/06 00:54 , Blogger Unknown disse...

Certo, eu nem queria causar tanto atrito. Qual o objetivo da política para mim: manter o poder de quem é fraco. Isso é de certa forma parecido com Nietzsche, mas não totalmente. Também não é totalmente não Freudiano, Freud errou ao observar a história da civilização como se fosse a história da humanidade, e esse erro continua sendo cometido. Ou seja, o sofrimento é tratado como ontológico ou puamente idividual, a culpa da cultura é mínima. Adorno reclamava disso também. O manual acha que não há outra opção porque ele acha que a civilização é tão profunda que nada pode haver além dela senão a morte. E o problema não é que vivamos diferente dos chimpanzés. Somos espécies diferentes, os bonobos são bem próximos dos chimpazés e também vivem diferente, mas a nossa diferença vai muito além. As estratégias populacionais se dividem em basicamente dois tipos: "K" e "r". K preza a sobrevivência do maior número, mas reproduz pouco, e r inversamente preza superpopulação e baixa sobrevivência. A estratégia r usa muitos recursos, por isso ela só funciona em seres pequenos, no máximo do tamanho de ratos. A estratégia K é a de animais grandes como ursos. Tentando viver num amontoado de 1 milhão de pessoas, e ainda por cima dizendo que essas pessoas são iguais e devem ser respeitadas é lindo, mas é equivalente a encaixar um cubo num buraco redondo. Nunca vai acontecer, e nós nos divertimos pensando em como continuar tentando essa idéia maluca simplesmente porque queremos assim, porque nos sentimos melhor assim, porque não queremos nos despedir do nosso projeto megalomaníco querido e amado. Ou, como diz o Manuel, porque chegamos até aqui. Não podemos voltar agora, temos que insistir no erro até morrer. E se for a morte, bom, era nosso destino. Não há mais o que fazer, está tudo traçado. Vocês acietam novas idéias, contanto que elas digam respeito à essa idéia, mas não se for uma idéia realmente nova e que tenha realmente a ver com a realidade do homem. Ela tem que ter a ver com uma imagem historicamente contruida do homem, que não podemos desistir, porque afinal foi tão bem trabalhado, nos apegamos tanto à ela, os caras pensaram tanto nisso... Dói pensar que isso possa ser equivocado desde o princípio, então continuamos sempre em frente. Marche!
O que eu tentei sustentar não é a necessidade de seguir a natureza, mas o dogmatismo de adimitir que o homem pode escolher como quer viver independente das leis ecológicas que regem as populações do resto da vida nesse planeta. Se eu fosse um deus e vc outro e vc me dissesse: vou criar um primata um pouco maior, mais inteligente, que usa 100 mais recursos e vive nem grupos de mais de 1 milhão de indivíduos, e eles vão encher a terra até não dar mais porque não tem qualquer tipo de limite populacional. O que acha? Eu diria: bem, pelo menos dê a eles a ilusão de que há uma vida após a morte, porque se souberem o quanto é exdrúxulo viver assim vão ficar muito decepcionados com você.

 
Às 7/10/06 14:06 , Anonymous Anônimo disse...

Bem,
Também nao sou dos mais otimistas com a politica e o último pleito foi, de fato, desanimador. Ainda assim, acho que o pessimismo deve ser motivador da mobilizaçao pela mudança. Esta só é possível se houver idéias e propostas bem norteadas.
Acredito que o uso (às vezes confuso) de uma linguagem aparentemente rebuscada com a desse post mais desorientam que ajudam a nortear um debate.

 

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