terça-feira, junho 05, 2007

Domingo - Bananada 2007!


Domingo, 20 de maio, chegamos juntos ao Centro Cultural Martim Cererê, eu e a chuva. Era o terceiro dia de mais um Bananada, festival que tem se consolidado ao longo de seus quase dez anos de vida como um evento de prestígio nacional, que se diferencia do Goiânia Noise Festival – o outro grande festival realizado pela Monstro Discos – por um cast que privilegia as bandas locais.

Quem é veterano de Bananada sabe o que esperar: estrutura de primeira, excelente organização e bandas pra tudo que é gosto. Havia velhos conhecidos do público goianiense, como Mechanics, Valentina, Violins, Rollin’ Chamas, entre outros, e surpresas de diversos lugares do país. Diante disso o já enfadonho discurso de quem acha que a Monstro deveria se portar como uma entidade filantrópica do rock goianiense mostra-se a ladainha estéril que é. Ora, a Monstro Discos é uma empresa, tem CNPJ, um marketing com intenções bem definidas e oferece um produto específico pra um público igualmente específico. Aos queixosos só resta montar seu próprio selo, ou procurar aquele cujo perfil mais lhes interessa; organizar seu próprio festival; criar seus próprios caminhos, como, aliás, muita gente boa vem fazendo já há algum tempo.

Quanto ao local, não há muito que dizer: o Cererê é um dos melhores espaços pra shows de médio porte no país, o que é confirmado por todas as bandas de fora, que ficam estupefatas com a estrutura do local. O tamanho dos teatros – que faz com que 300 pessoas pareçam mil –, a ampla área aberta que permite dar uma descansada entre um show e outro, além do charme e história do local, já são ponto a favor de qualquer evento que por ali se abrigue.

Infelizmente não cheguei a tempo de ver as duas primeiras bandas, mas peguei o início do show do RPDC, jovem banda de hardcore goianiense. Eu nunca gostei de hardcore, portanto, não entendo muita coisa do estilo. Mas estava tudo lá: vocal rasgado, baixo e guitarra sempre juntinhos, harmonias simples, quatro acordes e energia pra dar e vender. O público, ainda pequeno, respondeu muitíssimo bem e a banda parecia estar se divertindo mais que qualquer pessoa no recinto. Enfim, show simpático e redondinho. Pra quem gosta, foi uma festa.

Seguindo o ritual de zanzar de um teatro para o outro, adentrei o teatro Pyguá sob os primeiros acordes da paulistana Slot. E o que encontrei foi um rock’n’roll bem bobinho (no melhor sentido do termo), pra se ouvir tomando cerveja e papeando com a guria ao lado, já que uma música pouco difere da outra ou de todas as milhares de canções do mesmo tipo compostas ao longo da história do rock. Há bandas que são para se ouvir ao vivo e ponto. Eu não colocaria um cd do Slot pra ouvir em casa, mas num ambiente de festival a coisa funcionou muitíssimo bem, apesar do amontoado de clichês. Aliás, taí uma coisa: não se pode exigir de tudo que é banda que se revolucione o rock a todo instante, afinal, de “salvação do rock” chega o Strokes, que, caso o rock n’ roll estivesse mesmo moribundo, teria recebido dos inglesinhos o tiro de misericórdia. Mas deve-se admitir: se for pra fazer o de sempre, dê um jeito de pôr algum tempero, algum charme, algo de singular, do contrário, teremos que constatar, com alguma surpresa, que rock também pode ser música de elevador, ou seja: maçante e descartável. Felizmente, não foi o caso do Slot. Destaque pro guitarrista e pro vocalista: o primeiro tocou com a mão quebrada – toda enfaixada! – e o segundo, um japa de um metro e meio de altura, não parou um segundo no palco, como se estivesse diante de mil pessoas, e não do público que ainda começava a encher o local.

Após o Slot era a vez do Galinha Preta (foto), e eu comentei com um amigo: “aposta que é banda de HC?” Dito e feito. Mas bastou os primeiros segundos pra eu perceber que se tratava de um pouco mais que isso. Aquilo não era uma simples banda de hardcore; era a demência elevada à última potência! E com isso, caro leitor, quero dizer que estava diante de um dos melhores shows da noite! O instrumental era a mesma coisa de sempre: três ou quatro acordes tocados da forma mais suja possível com uma bateria atropelando tudo numa velocidade que às vezes beirava o grindcore. Mas o destaque foi, sem dúvida alguma, o vocalista. O sujeito tratava o público por “senhores” e destilava pérolas como “onde eu moro há um lixão onde velhos e crianças se igualam na imundície” ou ainda: “há um mal, o mal mais maligno que há, que pode acometer todos os senhores que estão nesse recinto: a Desgraça! Porque assim como existe Deus e o Diabo, existe a Desgraça. E ela ri de você quando você perde o emprego; ela ri de você quando você chuta uma pedra!”. E tudo isso dito numa impostação que arrancou gargalhadas gerais durante toda o show. Do meio pro final o figura, já exausto de tanto berrar e pular, vira pro Fabrício Nobre – um dos quatro sócios da Monstro Discos – e dispara: “Fabrício, a gente tem que tocar até o final? Eu não agüento mais não.” Instantes antes havia convidado um guri pra cantar a música que “a banda compôs para os acadêmicos, que dizem que nós não temos letras”. E acrescentou: “Pois a gente fez uma música que tem CINCO letras, AO MESMO TEMPO!” O leitor deve supor que se tratava das cinco vogais berradas repetidas vezes numa velocidade alucinante. Que ironia: uma banda de hardcore me deixou com aquela sensação de “será que vai haver coisa melhor por hoje?” Me acabei de rir.

A banda seguinte foi o Stereoscope (foto). Já com algum tempo de estrada, tocaram algumas músicas do seu segundo disco, que saiu recentemente pela Senhor F. Power pop limpinho, bem linear, com melodias doces e letrinhas amenas. Muita influência de Velvet Underground e Teenage Fanclub. Por vezes me lembrou Wilco. A banda tem arranjos econômicos e certeiros, além de uma excelente dinâmica entre os vocais que se revezam entre as músicas sem causar a sensação de desnível. Bem legal.

Do show da banda paulista Banzé só vi o começo, que parecia promissor, mas fui respirar um pouco e sondar o movimento na banquinha que havíamos montado pra lançar a nova edição do Demo Cognitio.

Foram os primeiros acordes do Mersault e A Máquina de Escrever (foto) que me levaram de volta pro Teatro Pyguá. Creio ter sido o terceiro show deles que presenciei e é sempre a mesma coisa: tem-se a impressão de estar diante de uma banda completamente consciente de si. Não sei que diabo de som é aquilo e não creio que eles mesmos saibam ou estejam interessados em saber. A liberdade com que misturam influências psicodélicas com um rock cuja complexidade dos arranjos reside muito mais na harmonia e na timbragem do que em grande sofisticação técnica é de cativar à primeira audição um ouvinte inteligente, que aprecie a sensação de estranhamento, em detrimento do corriqueiro “eu já ouvi isso antes”, tão cabível a 80% das bandas de Goiânia. Aliás, tem isso de engraçado a maior parte do público goianiense: parece avaliar as bandas locais apenas em função umas das outras. Isso faz com que algumas das mais celebradas bandas da cidade sejam meros pastiches, amontoados de clichês que sequer são arranjados de forma mais ou menos criativa, pra disfarçar a falta de identidade latente. Disso o Mersault definitivamente não sofre. Estão lá melodias complexas, conduzidas por um vocal brando – coisa de quem ouviu muito samba e MPB – e um instrumental que é qualquer coisa menos previsível. Enfim, sensibilidade que pensa. Foda, muito foda.

Mas a maior surpresa da noite estava por vir. O quarteto paulista Elma abriu o set com uma parede de acordes que conduziam uma harmonia densa, densa, densa e por vezes quase cacofônica. Na saída Guga Valente me solta a seguinte pérola: “Eu já tinha visto de tudo, menos Death Metal instrumental”. E isso ilustra bem a sensação estampada na cara de todos: ninguém sabia dizer ao certo que som era aquele. Pois bem: pra mim era post rock. Mas o post rock mais pesado que já vi na vida. Tem isso de interessante esse gênero: como sua principal característica é o experimentalismo sem fronteiras, bandas completamente distintas entre si podem se abrigar sob o mesmo rótulo. Até onde consigo perceber, há duas tendências básicas: por um lado a de bandas extremamente melódicas e etéreas, como Sigur Rós, Godspeed You! Black Emperor e Explosions in the Sky; por outro, a de grupos que apostam mais num experimentalismo harmônico, resultando numa parafernália de ruídos e cacofonias dignas de um Sonic Youth. A meu ver é por aí que vai o Elma, mas com muito, muito peso e afinação lá em baixo. Todas as músicas têm uma estrutura completamente imprevisível e a banda sustentou uma presença de palco intensa todo o tempo. Um dos guitarristas, ora quase arrancava a cabeça do pescoço, ora tocava imóvel, fitando algum ponto invisível no meio do público, com a expressão de quem está preste a degolar alguém. Fantástico.

Depois foi a vez de um dos mais aguardados shows dessa edição do Bananada: de Porto Alegre veio o Graforréia Xilarmônica, com anos de estrada e um repertório que foi em grande parte cantado por uma patota de fãs que, amontoados à frente do palco, quase se viraram do avesso de tanto berrar quando a banda mandou a já clássica “Amigo Punk”. Creio ter sido o maior público da noite, e mesmo quem não conhecia as músicas parecia seduzido pelo power trio que, seguindo a tradição gaúcha, tocou canções que parecem sustentar um manifesto velado, no qual consta ser obrigação do rock ser engraçado, meio pateta, e isso sem deixar de ser inteligente. Um show irrepreensível, no qual pôde-se notar a maturidade da banda, tanto no aspecto técnico – apenas fiquei me perguntando como teria sido o show se estivesse presente Marcelo Birck, ex-guitarrista do grupo – quanto no que diz respeito à concepção do espetáculo: a banda tinha o público nas mãos, o que garantiu um dos pontos mais altos do domingo.

Eu que já tinha visto um espetacular show do Dead Rocks – no qual haviam feito até uma versão surf music de um clássico do Cartola – fui animadinho e todo curioso ver o que o tal Daddy-O Grande traria de novo ao trabalho da banda. E não é que o show tenha sido ruim, longe disso. Estavam lá as guitarras frenéticas destilando um surf music que, por si só, teria segurado a noite por horas e horas. Apenas fiquei me perguntando o que o tal Daddy com uma máscara branca fazia por lá. De minha parte, preferi bastante o outro show do Dead Rocks que eu havia visto, não me lembro se num outro Bananada ou se num Goiânia Noise Festival. Pra mim soou meio desproporcional o ar de espetáculo que parecia suscitar um sujeito mascarado andando pelas dependências do Cererê, mais a soma de seu nome ao da banda, em relação ao que se viu no palco. Uma cacetada de show, sem dúvida, mas Daddy-O Grande não fez lá uma grande diferença.

Já um tanto cansado migrei de teatro pra ver Johnny Suxxx and The Fuckin’ Boys, banda capitaneada por João Lucas – também conhecido por alguns amigos como “A Diva Tombada” –, uma das figuras que mais tem feito pela cena independente de Goiânia, desde a fundação da já extinta Beacid, ao lado de Pedro Cambaleado e, atualmente, à frente da Fósforo Records, ao lado de Pablo Kossa e mais uma pá de gente boa. Pois bem, meu queixo caiu já na primeira música. É que sempre tive pouca paciência pra esse rock purpurinado, metido a glam, que, aos clichês de sempre, acrescenta apenas mais e mais afetação. Quanta surpresa a minha ao perceber o quanto esses garotos cresceram desde a última vez que os presenciei, num Vaca Amarela ano passado. O que se viu nessa noite de domingo foi um hard rock agressivo, cheio de bases e riffs encorpados, guitarra pesada e uma batera de dar gosto – firme, segura e raivosa. O guitarrista Douglas Ramires foi responsável por boa parte do espetáculo, tocando com uma gana como poucas vezes se vê, e sem comprometer em nada a execução. O problema, pra mim, foi o que pra muitas pessoas é justamente o maior atrativo da banda: o vocal. Acho que o João Lucas dá muito bem conta daquilo a que se propõe, meu problema é justamente com a proposta. E não é que Mss. Jhony Suxxx seja um mal cantor. Aliás, canta com segurança, não é de desafinar e parece ter consciência dos lugares em que sua voz pode ir com segurança. Mas precisa dar um gemido ao final de cada frase?! Claro que precisa! Porque é disso que os fãs desse tipo de rock purpurinado gostam. Foi, portanto, um grande show; e aqueles que, como eu, têm lá suas antipatias pra com esse tipo de som, que vão caçar sua turma.

EU fui. E enquanto ia de um teatro pro outro, lembrei-me de um Sigur Rós que me aguardava redentor em casa. Pois seria necessário: agora era a vez do Rollin’ Chamas.

Absolutamente nada de novo a dizer sobre essa banda. Fal se tornou a figura mais quixotesca da história do rock goiano e, consequentemente, a mais divertida. Suas pregações em prol de um mundo melhor, com mais árvores, pessoas transando com camisinha e todo mundo economizando água, são de enternecer até o mais bruto dos headbangers que, desprevenido, notará uma lágrima solitária a lhe escorrer de um dos olhos enquanto Fal berra lá do palco: “O Papa tá com AIDS, NÃO É ALUCINAÇÃO”. Não foi um show a altura do que fizeram no Grito Rock, onde pareciam ter distribuído ácido para todos os presentes, tamanha a euforia do generalizada. Naquele dia não tinha aquele negócio de filinho de papai subir no palco e fazer sinal com as mãos para que os amigos se juntassem prontos a lhe amortecer o mosh bem calculado. As pessoas se jogavam de costas, do alto das P.A.’s! Quem tava na frente do palco tinha não uma, mas várias pessoas passando ao mesmo tempo por sobre a cabeça; era quase necessário um semáforo. Sem contar a cambada de pirralhos correndo de cueca pra lá e pra cá. Depois o Homero, batera da banda, me disse que há muito tempo não havia visto algo do tipo. Pois eu nunca vi, nem antes nem depois. Portanto, à luz daquele dia, esse show do Bananada foi bem mais brando, mas mais por causa do público e da data – o show do Grito Rock havia sido num sábado – do que por causa da banda, que mandou o de sempre: guitarra pesadaça, humor non-sense e refrões grudentos, que já se tornaram hinos do rock goiano. Além disso, o Rollin’ Chamas é a única possibilidade de os fãs daquela que, na minha opinião, foi a melhor banda que já houve em Goiânia, matarem, bem de leve, a saudade do vocal insano do Homero. O moço era vocalista do fantástico e infelizmente finado Mandatory Suicide. No Rollin’ Chamas segura – muitísismo bem, diga-se – a bateria e manda aqui e acolá algum backing vocal. O revoltante é que se trata da melhor voz do rock goiano e nada do sujeito montar outra banda pra mostrar seus dotes de Mike Patton do cerrado! E tanta gente ruim, com a vozinha desse tamaninho, metendo o bendito do microfone na frente da cara...

Quanto a sempre insinuada volta do Mandatory Suicie, mesmo que seja pra um showzinho só, eu já nem ouso alimentar esperanças, embora tenha ouvido de fonte muito segura que alguma coisa vai acontecer no segundo semestre. Pois eu só acredito vendo. Tomara, tomara.

Por fim, estando eu já bastante exausto para presenciar o show do Desastre, dei por encerrada minha participação no Bananada 2007. Trata-se de uma banda das mais experientes, que prepara sua primeira turnê pela Europa, já que a anteriormente planejada deu errado por problemas com o motorista que os conduziria pela Europa, com me contou o próprio Wilton, vocalista da banda. Mas o leitor deve se lembrar que eu não gosto de hardcore, e o sono já tava batendo pesado.

De resto, ficou mesmo a já esperada satisfação de ver um evento goiano tão forte, tão bem estruturado e ainda tão promissor. Que venha o próximo!

texto: manoel gustavo

fotos: reginaldo mesquita