quarta-feira, setembro 27, 2006

Política em transformação

















"Uma imensa desconsideração pela política (...)"

Isso me fez pensar. O que está sendo entendido como política no texto do nosso notável Fernando Camelo? Eu o perguntaria pessoalmente, mas ele anda longe daqui e não atende o telefone. Então resolvi escrever. Bom, a descrença que vejo, na verdade, é pelo que se tornou a política no sentido comum do termo, no sentido que os candidatos, legisladores e governantes em geral deram à ele ao longo do último século e neste que principia e que presenciamos. Se pergunto para o picolezeiro que trabalha na porta do prédio em que eu trabalho, como aconteceu recentemente, o que ele acha das eleições; ele me responde que de um modo ou de outro eles (os governates) sempre aparecem nessa época com cara de gentis e dando beijos e abraços, prometendo tudo e mais um pouco, e que há também os que dizem que irão fazer de tudo que estará ao alcance deles para ajudar o povo (esses já perceberam que o discurso tem que mundar); mas quando se encontram em seu lugar privilegiado, não recebem o povo e dizem que estão com a agenda cheia. Bom acho que me emaranhei. Vejamos, resumindo, meu colega picolezeiro (não direi seu nome para preservá-lo), pelo que eu entend,i está desconsiderando a política, pois ele disse que não ia votar em ninguém e que se era para dar a chance de pessoas roubarem seu dinheiro que pelo menos ele nao colaborasse com isso. O que você acha Camelo, era disso que você falava?

Bom, então eu disse ao picolezeiro que o que poderiamos fazer era nos organizar em pequenos grupos que juntos poderiam ser um grande grupo pressionando o governo e a justiça para que nossos direitos fossem respeitados. Ele pensou, com a mão levemente coçando o lobulo da orelha esquerda e disse: É acho que isso seria política e não politicagem né?

Daí, achei legal a colocação dele e lhe disse que as pessoas não estão acostumadas a decidirem por si mesmas e que estamos presos a um mar de obrigações que não nos permitem ter um tempo para pensar sobre como poderiamos resolver nossos problemas entre nós mesmo, um ajudando o outro, como nos tempos de guerra lembra Fernando?

Mas deixando de lado esse exemplo que já começo a achar um pouco tolo. O que tenho visto não é uma descrença pela política, agora entendida um pouco mais próxima do entendimento que os gregos antigos ou os filósofos e intelectuais atuais têm da palavra. O que tenho visto por ai, é o povo se organizar. Temos, para não cair em exemplos batidos, o Movimento Nacional dos Catadores de Lixo Reciclável, pode-se saber mais sobre esse movimento conversando com os catadores mais próximos de você, no caso de Fernado não sei se tem algum próximo dele. Ou, para quem não tem tempo ou prefere a assepcia de uma tela de computador, pode-se acessar a pagina http://www.movimentodoscatadores.org.br/default.aspx. Imagine pessoas analfabetas (em sua maioria) que se organizam para ter condições e permissão legal para catar lixo, que pedem um galpão para que possam fazer a triagem do material e assim não serem explorados por atravessadores, e mais outras coisas que culminam na tentativa de ter uma mínima dignidade. São pessoas que limpam nossas cidades e ainda contribuem com o equilibrio do meio ambiente natural encaminhando o lixo que produzimos para sua devida reciclagem. Acho que essas pessoas estão descrentes com a politicagem, mas fazem política todos os dias.

Não vou me delongar mais, vou tentar sintetizar o que estou tentando dizer. A política está se transformando, e a descrença é pela velha política, que para a maioria das pessoas é a presente pólitica. Mas quando elas vêem as possibilidades de fazer política de outro modo e pela via não eleitoral, elas tendem a se organizar. Temos ai exemplos no Brasil e no mundo de política não eleitoreira, nem mesmo eleitoral, sendo feita todos os dias. Entretanto, poucos pessoas tomam conhecimento disso e assim o processo de transformação do entendimento do termo política vai sendo retardado, mas não há como freia-lo totalmente. Pois, tem muita gente por ai, muita mas muita mesmo, acho que a maioria da gente, que não têm nenhum patrimônio para herdar de seus antecessores, porém os sonhos de suas gerações passadas, de tantos, já não cabem apenas nas cabeças ou na diversão de uma noite bem dormida e estão tomando forma nas ruas, se materializando em imagens e ações e assim eles, os governantes, se quiserem manter suas cabeças no lugar, vão ter que atender as demandas do povo e deixar de lado seus privilégios. E depois, eles (digo de novo: os governantes) vão ter que reaprender a trabalhar pois já teremos as condições de tomar as decisões por nós mesmo. Isso pode parecer estranho e útopito, até mesmo infantil, mas é a lógica ululante dos seres racionais.

Éveri Sirac

domingo, setembro 24, 2006

Para além da descrença


Uma imensa desconsideração pela política, isso é o que constatamos nessas eleições. Deixando de lado o simplismo que reza ser a bandidagem o motivo real disso, o que mais temos? Parece ser considerável a escassez de ambiente político para a aproximação dos anseios, das forças medidas, das vozes contrapostas. A sociedade não possui vínculo real com a vida pública. Mesmo sabendo que ela realiza nosso destino. As margens de aproximação da população com os debates e com a resolução de sua vida cotidiana se estabeleceu longe das vontades desses indivíduos e de seus grupos. Perdemos o tato disso. A escalada do sistema de organização social, que exclui os produtores não enquadrados em um montante de capital relevante, que deseduca a população acerca da conseqüência da sua escolha pela indiferença, que desenvolve políticas de amordaçamento social velado nos deixa sujeitos precários enquanto agentes sociais. Que tipo de aposta na educação popular pode avançar à emancipação? Como construir alternativas que minem a imobilização social?

Fernando Camelo

sexta-feira, setembro 22, 2006

Rodrigo Correia de Oliveira. Esse é o nome do garoto que faleceu ontem em virtude de dois enormíssimos absurdos.

Estava na internet, quando uma aluna interrompeu meu trabalho pra perguntar: “professora, vc soube do que aconteceu?”. Então me contou que o Rodrigo havia morrido em decorrência de uma infecção hospitalar, depois de ter passado alguns dias numa UTI por ter sido esfaqueado.

Me lembro que ele era um menino calado, muito calado. Sozinho. Estava sempre com o olhar de vidro fixado nas paredes ou no próprio caderno fechado e em branco. Raramente fazia alguma atividade proposta em sala de aula. Seu nome no diário vinha cheio de lacunas, porque não entregava as tarefas de casa. Um dia, eu o tirei de sala e o levei à coordenação. E lhe expliquei que ele estava ali pra me dizer alguma coisa sobre como eu poderia ajudá-lo. Ao invés de manter sua atitude habitual de alheamento, ou de reagir com agressão por se sentir repreendido ou cobrado, ele me abriu um sorriso. E me desconsertou, porque eu sequer conhecia sua voz... Enxuguei os olhos, e disse que aquilo tinha me emocionado. Saímos dali e lhe dei um abraço. No corredor, ele me prometeu que se empenharia nas próximas aulas, mas disse que sua vida estava meio estranha mesmo... E, de fato, nas aulas seguintes, ele estava levemente mais disposto. Isso durou um mês e é basicamente tudo o que eu sei sobre esse garoto.

Ignoro os detalhes do caso. Não sei por que ele foi esfaqueado. Não sei por que não saiu vivo do hospital. Me contaram algumas coisas, que eu não procurei confirmar se eram verdadeiras ou não. Mas isso não tem a menor importância e não ameniza em nada o fato de que aí estão dois sérios problemas: violência e saúde pública. E que parecem se tornar banais pela recorrência. Mas que terminam por banalizar nossas vidas, e o meu discurso sobre o fato. O que mais tenho a dizer sobre isso senão que é um absurdo, tão grande, tão grande, que eu nem compreendo?

suene honorato