domingo, novembro 18, 2007

A nova profissão: os “panfleteiros” vão sobreviver?

Nos sinaleiros de nossa cidade, não se pode ficar parado sem que recebamos uma profusão de panfletos propagandísticos das mais variadas coisas. A tal “alma do negócio” anda a nos perseguir como a montanha foi a Maomé.

Prática aparentemente aceita no começo, talvez porque se apresentasse como mais uma novidade inofensiva dos publicitários, vem agora sendo rechaçada por uma quantidade considerável de pessoas que se recusam a receber os panfletos – posição na qual me insiro. Afinal, temos o direito de resguardar os últimos resquícios de nossa liberdade de escolha, já tão comprometida pela poluição visual dos espaços públicos (o que também deve ser repensado, como tem ocorrido em cidades como São Paulo, onde recentemente foram aprovadas novas leis para regular a disposição de outdoors e fachadas comerciais).

Há quem valorize a competição mercadológica. “O público é quem sai ganhando” – uma verdade repetida pelo senso comum. O problema é que não podemos avalizar qualquer estratégia para que tal competição seja posta em prática. Depois da primeira empresa que teve a idéia de entregar panfletos nos semáforos, outras dezenas – e agora centenas – seguiram o exemplo. E eis que a parada se transforma em caos: a cada semáforo somos perseguidos por dois ou quatro “panfleteiros” que nos ocupam com propagandas que talvez não nos interessem. Escolho, ao sair para o trabalho, não me deparar com propagandas de carro, imóveis, motéis etc. Escolho procurar pela oferta do produto apenas quando me vir diante da necessidade de obtê-lo.

Mas esse ainda não é o ponto. O problema mais relevante é que o fluxo mercadológico costuma transferir responsabilidades para os atores que estão nas bases de sua execução. Como entidade fetichizada, o mercado separa-se dos agentes e assiste à guerra. Explico: inventou-se, com essa prática, uma profissão que vem sofrendo agora com a não aceitação do público. E cabe à nova categoria resolver a pendenga. Os inventores dessa profissão são deuses que abandonaram suas criaturas.

É desumano contratar alguém para exercer a função de outdoor, e não se pode esperar que o mercado solucione o problema. O mesmo ocorre, por exemplo, em épocas de eleição, quando se contratam pessoas para segurarem faixas como postes. Então, para não perderem a sua funcionalidade de objeto, já detectada pelas empresas que demitem os menos eficientes, os “panfleteiros” decidiram pelo apelo emocional: usam camisetas com os dizeres “Salvem um ‘panfleteiro’!”.

Diante disso, o problema foi mais uma vez transferido, e agora para nossas mãos. Ouvi, um dia, alguém dizer que não retirava sua bandeja da mesa do shopping para que as faxineiras não fossem demitidas. É um argumento plausível, assim como o de que devemos produzir tanto mais lixo quanto aspirantes a lixeiro existam no mundo. Ou dar tanta esmola quanto existam pedintes. Assim, não haverá desemprego. E acreditamos que esta é uma postura ativa diante dos problemas sociais... Como diria Tom Zé: “faça suas orações uma vez por dia e depois mande a consciência junto com os lençóis pra lavanderia”.

suene honorato