quarta-feira, agosto 06, 2008

Especulações sobre a terceira idade

Na porta da minha casa: descendo do carro, segurando inúmeras sacolas. Um par de sandálias no pé e outro nas mãos. Uma senhorinha por ali, bem arrumada em sua tarde de passeio, interessou-se pela cena.

– Ei, você podia calçar essa aí na sua mão e me dar a outra! – enérgica.

Heim? Será maluca? Ah, não podia não.

Acontece sempre. Tenho relatos – de sangue e de ouvido – que me induzem a acreditar que essa aí é uma característica da terceira idade. Mas haveria explicação?

Ainda não estou velha, embora o seja às vezes de espírito. E não posso acessar a experiência do outro. Como, em verdade, não podemos nunca. Por isso, valido a especulação.

Não é a terceira idade a consciência da proximidade da morte? Ué, então a gente deveria se desapegar da materialidade do mundo e recolher-se ao espírito. Ou, dada a circularidade da vida, seria essa fase um retorno à infância? Diz muito isso a psicologia. Gostaria era de ver um psicólogo fundamentar essa lógica: o desgaste fisiológico empreendido pelo tempo altera as faculdades mentais, tornando-as parecidas com as das crianças, que ainda não as têm completamente formadas.

É, pelo jeito, lógica não explica nada. Quem não conhece a piada do português? Só podemos olhar os fatos, com certa surpresa. Mas, que é fato é. Numa festa promovida para a terceira idade, tiveram de distribuir salgadinhos em pratos individuais. Experiências anteriores mostraram que, quando o banquete é servido conjuntamente, desaparece em segundos para figurar não nos estômagos saciados, mas nos sorrisos dissimulados de satisfação e nas cavidades de bolsas com fundos falsos.

Ou: congresso da terceira idade. Uma centena e meia de idosos no avião seguindo para o destino do encontro. O aviso ao final do vôo não precisou ser feito: “Por favor, vamos recolher toda sobra da refeição para preparar a cabine para novos passageiros”. Tudo guardadinho, até saco antiespalhamento de refluxo. Um souvenir.

Aliás, talvez a lógica seja esta mesmo: desapego material. Não gastar dinheiro, quando se tem. Quando não se tem, ter sem comprar. Pedir sempre. Às vezes, não.

(Poderia, como réplica, ter argumentado a duplicidade do sapato, já que ela usava o seu, talvez em melhor estado que o meu.)


suene honorato


P.S.: Mas, a quem freqüenta o Ponto 18, a velhice é uma boneca, cuidadosa e levemente maquiada, trajando um vestido com gola de renda, vendendo sapatos para recém-nascidos. Confeccionados por suas mãos sem calos.

domingo, março 30, 2008

João Victor: um menino bem humorado e inteligente

Já estava mais do que na hora: dia 03 de março, em Goiânia, um garoto de apenas oito anos foi aprovado no vestibular da UNIP para o curso de Direito.

A notícia provocou grande alvoroço na imprensa, e foi destaque em jornais do Brasil e do mundo. Mas ela não tem nada de tão singular. Teria, se se tratasse de um garoto superdotado, alvo de psicólogos que desejariam esquadrinhar o seu cérebro e já convidado a ingressar não na UNIP, mas na Universidade de Harvard. Nada disso ocorreu, no entanto... O fato é banal, ou melhor, fruto da banalidade de uma prática que implica em diversas questões.

As universidades particulares aprenderam que hoje é preciso ter diploma. Exige-se uma especialização crescente para os mais diversos campos profissionais. Há muito desemprego e pouca gente qualificada. Opta-se, então, pela qualificação em massa – desde que se possa pagar, é claro. Mas essa qualificação merece algumas aspas. O termo “qualificação” está relacionado, obviamente, à qualidade, e não à quantidade. A “qualificação” oferecida por algumas dessas instituições tem, muitas vezes, caráter formal, burocrático – e o governo devia agradecer a elas por melhorar os índices quantitativos em relação à escolaridade do povo brasileiro.

Hoje não encontramos diplomas emoldurados na parede do consultório. Esse fato é sintomático, indica que nada há de especial em ter um diploma. E muito bom seria se, com isso, pudéssemos acreditar que a formação tem sido levada tão a sério, tanto pelos estudantes quanto pelas instituições de ensino.

O imperativo de se ter um diploma inflou o mercado das universidades particulares, já que as instituições públicas não satisfazem a demanda. (Não só não satisfazem, como exigem uma formação anterior que a maioria dos candidatos a uma vaga não possuem – e esse é um outro problema, com suas causas diversas e graves.) Se as particulares estão aí a cada esquina, por que não optar por elas? A concorrência, inclusive, tem deixado as mensalidades a preços quase acessíveis. O que era difícil se tornou fácil.

Tão fácil que muitos estudantes perceberam cedo que poderiam ingressar em uma universidade antes mesmo de concluírem o ensino médio. Passar no vestibular, para muitos, não é mais sinônimo de pesadelo. O único problema é conseguir permissão para efetivar a matrícula, dado que o artigo 44, inciso II, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação exige a conclusão do ensino médio.

Dos males o menor. O mercado funciona assim: se surge um novo modelo de celular, surgirão, na seqüência, acessórios adequados ao seu formato até mesmo no mercado informal. Com as universidades particulares ocorre o mesmo: há quem ofereça aí um diploma de conclusão do ensino médio bem à mão. Mas há também quem entre na justiça para ter direito a freqüentar o curso. E muitos, infelizmente, têm conseguido.

Infelizmente. Parece que a urgência em cursar uma graduação tem a ver com o “fim” da vida escolar, do período de formação, o que é um equívoco. O bom profissional não se livrará nunca do estudo. Essa urgência desconsidera também que o que se estuda no ensino médio é fundamento que será exigido mais tarde. E não só em termos de conteúdo, mas de amadurecimento reflexivo, que preparará o indivíduo para lidar com questões cada vez mais complexas, exigidas nas diversas áreas do conhecimento.

Diante disso, a grande façanha do menino João Victor Portelinha de Oliveira, o famigerado “aluno” da UNIP, foi ter zombado da seriedade das instituições particulares. E, de quebra, ainda saiu dizendo que a prova foi fácil...



suene honorato

terça-feira, fevereiro 19, 2008

A arte incomoda (parte II)

Nesta semana, li um artigo que me motiva, mais uma vez, a levantar uma velha bandeira: a de que a arte incomoda!

O jornal Mundo Jovem é uma publicação da PUC-RS destinada a jovens e adultos. Sua proposta é abordar temas relacionados à vida do jovem, numa linguagem simples e direta. É distribuído apenas para assinantes, em todo o Brasil, com tiragem de 120 mil exemplares (www.mundojovem.com.br).

Consta, na edição de março, o artigo “A arte como instrumento de inclusão social”, escrito pela cantora, compositora e pedagoga Susi Monte Serrat e pelo produtor cultural e escritor João Bello, em que se discute a arte como campo de transformação de sentimentos que pode ser fruída ou produzida por qualquer indivíduo. É assim que a arte é vista como “meio de inclusão”, pois proporciona ao sujeito a participação no todo, com o que este realiza seu papel de ator das transformações sociais. E aconselha: mesmo que não seja possível atingir certo patamar de desenvolvimento, “[...] lembre-se que há um artista dentro de você”.

Como publicação direcionada ao jovem, a proposta de simplificar a linguagem me parece eficiente. Trata-se de democratizar o acesso e de entender que este é um público, mais do que qualquer outro, ainda em formação. Porém, há que se distinguir simplificação lingüística de simplificação conteudística, confusão que, em alguns momentos, ocorre no artigo citado.

A proposta dos autores seria a de tornar a arte sedutora ao jovem, de conclamá-los à fruição estética. Mas toda sedução que se funda numa inverdade termina por corromper seu objetivo. Não é necessário citar, por exemplo, o discurso político, para comprovar que a sedução torna-se vazia na medida em que não concretiza as expectativas criadas. É um processo melindroso persuadir por meio da sedução. E há que se prestar muita atenção às estratégias utilizadas.

O artigo começa por um equívoco: o de que a arte seria diferente das demais tarefas desenvolvidas pelos diferentes indivíduos, exercidas com maior ou menor eficiência segundo suas disposições e aptidões. Sendo equivalente ao sentimento, pode ser desenvolvida por qualquer ser humano. Sim, todos nós somos passíveis de sensibilidade estética, mas a equivalência entre arte e sentimento é um tanto quanto romântica, calcada na difundida idéia de “inspiração”. Ter sentimentos não é suficiente para se produzir arte. Nesse sentido, ela é, como qualquer outra, uma tarefa, um trabalho, e exige pesquisa, disposição, disciplina, observação da realidade, relação com a tradição e com a história.

A arte exige grande medida de racionalização. Não só o exige, como age justamente neste campo. É conhecimento, embora de natureza diversa daquela do conhecimento científico, pois sua ação sobre nossa racionalidade não ocorre por procedimentos lógicos. Se a arte resulta da “transformação do sentimento e da emoção, que aflora o coração do poeta, que embala a sensação prazerosa da musicalidade, que abre os caminhos desconhecidos das telas; enfim, que redescobre a estrada e o destino das artes”, como querem os autores, então ela é alienante, pois segrega os homens em suas individualidades. Funciona como terapia (“a dor pode virar prazer de executar um instrumento”), mas não promove inclusão.

A idéia da arte como fonte de superação de problemas individuais (“mudar para ser feliz, ser feliz para mudar”) é uma falácia. Não há lugar no mundo onde encontramos maior dor do que na arte. Por isso é que Mario Quintana escreveu o seguinte poema, que gosto tanto de citar nessas ocasiões:

O poema

O poema é uma pedra no abismo,
O eco do poema desloca os perfis:
Para bem das águas e das almas
Assassinemos o poeta.


O prazer que a arte nos pode provocar é o do conhecimento, só conseguido por um processo demorado e trabalhoso: estar no mundo com os olhos abertos aos seus maiores defeitos, às suas maiores mazelas, às suas contradições; estar em contato com sensibilidades diversas – exercício de alteridade, para o qual apontam os autores em um momento, mas sem aludir à dificuldade exigida nesse processo. É uma escolha árdua e sem passagem de volta: ter consciência da alienação e do fato de não podermos nos livrar dela. Deslocam-se nossos perfis, o que, diante do espelho, deve resultar numa imagem bastante desagradável. A partir dessa desestruturação das individualidades é que nos transformamos em atores sociais.

A promessa de felicidade por meio da arte oferecida por Susi Monte Serrat e João Bello é pedagogicamente questionável. Ela parece estar em acordo com os diversos meios de facilitação do conhecimento propagandeados por aí: “aprenda inglês em dez seções”; “termine seu curso universitário em dois anos” etc. Convencer o público adolescente de que a arte vale a pena pelo que ela tem de desconcertante é tarefa trabalhosa, já que concorremos com o prazer fácil do entretenimento. Porém, a dificuldade em escolher a arte como caminho para a realização das potencialidades individuais deve ser valorizada, e não omitida. Neste caso, o nivelamento das estratégias de persuasão a partir daquilo contra o que devemos lutar desmente um ditado que anda meio esquecido: “o que vem fácil, vai fácil”.


suene honorato

quinta-feira, janeiro 24, 2008

A libélula alagada

Nos olhos da rua, seus olhos macios
Passava igual carro de lágrimas: lento,
Fantasma afiado das fibras do vento
Fugindo das luzes dos prédios vazios...

Olhava seus pés junto ao meu pensamento
Bailava na lúcula em cima dos rios
Da Lua... Libélula nua com fios
De espera tecendo a mortalha e o momento...

E a luz? Os seus olhos? Seus pés sobre as asas?
Só lembro das mãos de gotículas rasas
Tecendo o meu verso na noite calada,

Mas quando no azul o universo dormia
Ela era das cinzas, palavra vazia
Escrita sem voz nas paredes do nada.


Marra Signoreli
(13/11/2007)

domingo, novembro 18, 2007

A nova profissão: os “panfleteiros” vão sobreviver?

Nos sinaleiros de nossa cidade, não se pode ficar parado sem que recebamos uma profusão de panfletos propagandísticos das mais variadas coisas. A tal “alma do negócio” anda a nos perseguir como a montanha foi a Maomé.

Prática aparentemente aceita no começo, talvez porque se apresentasse como mais uma novidade inofensiva dos publicitários, vem agora sendo rechaçada por uma quantidade considerável de pessoas que se recusam a receber os panfletos – posição na qual me insiro. Afinal, temos o direito de resguardar os últimos resquícios de nossa liberdade de escolha, já tão comprometida pela poluição visual dos espaços públicos (o que também deve ser repensado, como tem ocorrido em cidades como São Paulo, onde recentemente foram aprovadas novas leis para regular a disposição de outdoors e fachadas comerciais).

Há quem valorize a competição mercadológica. “O público é quem sai ganhando” – uma verdade repetida pelo senso comum. O problema é que não podemos avalizar qualquer estratégia para que tal competição seja posta em prática. Depois da primeira empresa que teve a idéia de entregar panfletos nos semáforos, outras dezenas – e agora centenas – seguiram o exemplo. E eis que a parada se transforma em caos: a cada semáforo somos perseguidos por dois ou quatro “panfleteiros” que nos ocupam com propagandas que talvez não nos interessem. Escolho, ao sair para o trabalho, não me deparar com propagandas de carro, imóveis, motéis etc. Escolho procurar pela oferta do produto apenas quando me vir diante da necessidade de obtê-lo.

Mas esse ainda não é o ponto. O problema mais relevante é que o fluxo mercadológico costuma transferir responsabilidades para os atores que estão nas bases de sua execução. Como entidade fetichizada, o mercado separa-se dos agentes e assiste à guerra. Explico: inventou-se, com essa prática, uma profissão que vem sofrendo agora com a não aceitação do público. E cabe à nova categoria resolver a pendenga. Os inventores dessa profissão são deuses que abandonaram suas criaturas.

É desumano contratar alguém para exercer a função de outdoor, e não se pode esperar que o mercado solucione o problema. O mesmo ocorre, por exemplo, em épocas de eleição, quando se contratam pessoas para segurarem faixas como postes. Então, para não perderem a sua funcionalidade de objeto, já detectada pelas empresas que demitem os menos eficientes, os “panfleteiros” decidiram pelo apelo emocional: usam camisetas com os dizeres “Salvem um ‘panfleteiro’!”.

Diante disso, o problema foi mais uma vez transferido, e agora para nossas mãos. Ouvi, um dia, alguém dizer que não retirava sua bandeja da mesa do shopping para que as faxineiras não fossem demitidas. É um argumento plausível, assim como o de que devemos produzir tanto mais lixo quanto aspirantes a lixeiro existam no mundo. Ou dar tanta esmola quanto existam pedintes. Assim, não haverá desemprego. E acreditamos que esta é uma postura ativa diante dos problemas sociais... Como diria Tom Zé: “faça suas orações uma vez por dia e depois mande a consciência junto com os lençóis pra lavanderia”.

suene honorato

quarta-feira, outubro 03, 2007

ORAÇÃO DO BRASILEIRO (a oração que o Congresso Nacional nos forçou a aprender)


Pai nosso, que estais no céu, permanecei nas alturas bem longe do Brasil. Santificado seja o Vosso nome, que o nosso não tem vergonha de se arrastar na lama. Rezemos sempre “venha a nós”, nunca ao "Vosso reino”. Seja feita a Vossa vontade, já que por nós, elegeremos ladrões com mandatos para o resto de suas vidas mundanas.

Caras de pau caindo de podres, indignos de José carpinteiro, esbofeteiam a outra face de Teus filhos, tratados como bastardos. Cospem assim, como da terra para o céu, sem preocupação de que o pejo lhes caia sobre a cabeça. Abastados, soltam setenta vezes sete Barrabás, sete dias da semana de três dias trabalhados; porque não têm coragem de condenar a si próprios.

O pão nosso de cada dia nos dai hoje. Mas livrai-nos de vender nosso voto, a troco de um fome-zero. Perdoai que nos sintamos ofendidos e envergonhados de sermos brasileiros, quando perdoamos os corruptos a cada nova eleição. Bem como não há perdão para quem nasce desfavorecido pela sorte, mas enriquece loterias e bicheiros, com quem até um ministro da Justiça se envolveu.

E não nos deixeis cair na tentação de fugir para os Estados Unidos. Mas que, se algum dia um político brasileiro puser os pés lá fora, seja julgado, condenado e execrado por crimes contra a Humanidade, a ponto de querer cometer suicídio.

Pois aqui não existe igualdade perante a Lei. E onde não há Lei, não há nação. Portanto Deus não pode ser brasileiro, embora muitos brasileiros achem que são Deus, e por isso não devam satisfação. Dai-lhes o fórum sem privilégios da Justiça Divina. Para, ao menos uma vez, responderem por seus crimes, nem que seja ao Coisa-Ruim, seu compadre e semelhante.

Livrai-nos do mal e do inferno em que nossos governantes transformaram “este país”. “Este país”, bordão pejorativo e pronunciado com desprezo por quem não sabe “que país é esse”. Porque nos discursos, que só servem para negar acusações, com desculpas esfarrapadas e absurdas que insultam nossa inteligência, os donos do Estado têm a certeza de que o dinheiro os colocará lá novamente. E não Vossos servos, excluídos desta bandidocracia.

Pois Vosso é o verdadeiro poder, o reino e a glória para sempre. E não um regime sustentado por uma quadrilha de puxa-sacos, mensaleiros, ladrões de ambulâncias, de merendas escolares e do povo, legiões piores que demônios expulsos de porcos. Para estes, por mais que esfreguem suas sujeiras em nossas caras, jamais existirão provas suficientes de sua verdadeira face do mal, de anjos decaídos.

Amparai os homens de bem e as crianças, para que não tomem o péssimo exemplo de quem peca por corrupção ativa, passiva, atos e omissões, por sua exclusiva culpa. Concedei-nos sair da Idade Média, ao menos nos próximos 500 anos. E que assim não sejamos mais tão distantes das Leis Divinas, humanas e principalmente do bom senso...
Amém.

Gustavo Pessoa

quarta-feira, agosto 29, 2007

Um problema de gramática, a quem interessar... Ou: o jogo dos vários erros

A Secretaria de Transportes de Nerópolis disponibiliza ônibus para a capital aos estudantes. Com o intuito de melhorar a qualidade do transporte, entregou o seguinte aviso aos usuários:

ATENÇÃO

  • NÃO JOGAR LIXO NO CHÃO DO ÔNIBUS;
  • NÃO PISAR NAS POLTRONAS DO ÔNIBUS;
  • NÃO SENTAR NO BRAÇO DAS POLTRONAS DO ÔNIBUS;
  • NÃO FALAR ALTO DENTRO DO ÔNIBUS;
  • NÃO FAZER BAGUNÇA AO ENTRAR NO ÔNIBUS;
  • NÃO ALIMENTAR DENTRO DO ÔNIBUS;
  • RESPEITAR OS COLEGAS DENTRO DO ÔNIBUS CASO ESTEJAM DORMINDO.

OBS: caso ocorra reclamações e fujam das regras estará sujeito a exclusão do ônibus.

(POIS DEVEMOS MANTER A ÉTICA, O RESPEITO E A LIMPEZA DO ÔNIBUS. POR QUE ELE TAMBÉM E SEU, E VOCÊ TAMBÉM TEM QUE CUIDAR. “PRESERVE”)

Pois bem, o “aviso” tem a assinatura do secretário do transporte neropolitano, sr. Leoncio Pinto de Mendonça. Com isso, quer elevar-se à categoria de documento formal. Mas nem só de assinatura se faz um documento...

Diz-se que, se a mensagem foi transmitida, é porque a linguagem é eficiente. Eu mesma partilho dessa opinião. Mas é preciso considerar os diferentes graus de eficiência de uma mensagem. Isso significa ter em mente o contexto em que a mensagem deve ser transmitida e, a partir daí, escolher o registro mais adequedo. Sei que a mensagem do “aviso” foi comunicada sem maiores perturbações, mas há algo de risível na redação deste documento justamente pela incoerência entre sua pretensa formalidade e o “estilo” econômico-pródigo de sua linguagem.

Pródigo naquilo que é desnecessário. Alguém me diga por que se repetir insistentemente a expressão “do ônibus”! Talvez seja esse algum recurso retirado da poesia concreta. A insistência nos traz o ritmo do ônibus sacolejando no caminho, e termina por nos provocar enjôo. E econômico no que, do mesmo modo, não deveria ser. Faltam os complementos de alguns verbos. Por exemplo em: “não alimentar dentro do ônibus”. Não alimentar quem? Porventura as galinhas que viajam com os estudantes, empoleiradas nos maleiros.

Mas o problema mais interessante é aquele que permite a subversão dentro do próprio documento. Duas regras formam uma dobradinha imbatível: “não fazer bagunça ao entrar dentro do ônibus” e “respeitar os colegas dentro do ônibus caso estejam dormindo”. Só não se pode fazer bagunça se você estiver entrando no ônibus; respeitar o colega, só se ele estiver dormindo. Então, durante a viagem, deixe dormir os dorminhocos, faça bagunça à vontade e desrespeite os despertos. Está previsto no documento, sim senhor!

Penso que é assim que agem os advogados nos trâmites da lei. Se é válido o que está registrado com assinatura, a forma é encontrar brechas na linguagem para contrariar o sistema.


suene honorato